sábado, 27 de fevereiro de 2010

Corpo e Alma

De 1986 pra cá eu nasci e cresci
Passei, sem peso, pelo tombo de uns muros
Pela retirada de presidente e marajás, impuros
Fui criança presente e vidrada numa Eco sem futuro

Criado num Brasil que nunca me convenceu
Que não mudou seu portais, suas escolas, favelas, seus hospitais
Cresci em mágoa engasgada
Pois vi crianças, meus pares, mendigar, vi preconceito em demasia, sem cessar

Nadei em rios, hoje mortos
Vi meu corpo vibrar em 2000
Promessas sobrepondo promessas
De um novo mundo pra se viver, de um novo lugar

Não sabia, mas estava acima de caminhos a direita ou esquerda
Estava acima da história que tios, pais e especialistas já haviam escrito
Cresci num planeta mais cinza que vocês, com lixo até mesmo espacial
Que não notamos, pois nem mesmo vemos o que permeia nosso meio natural

Acontece que hoje, to esperando um filho, filho meu
Tenho uma irmã que em breve vai nascer
Tenho icebergs e guerras religiosas ao meu redor
Tenho um oceanos de plástico, no qual me banho, sou talvez um índio só

Abaixo de minha pele, esse coração que quase rompe meu peito
Não me deixa mais descansar, não me da mais hora, não vai simplesmente parar
No mais tropical de todos os países, no mais belo cenário, me doem tuas cicatrizes
Descobri, planeta meu, lugares por onde você morre mais cedo, por dentro, ao passo lento

Tive que descer da média feita por nossa classe até os portões de um coletivo inferno
Era uma lagoa de pedaços mortos, uma imensidão de restos e nojo, um reflexo divino disforme
Era tanta, tanta morte pelos meus pés, cheiros e pedaços vindos como defuntos nas marés
Nem meu país bonito, de carnava l,nem meu verão entenderam o que era aquilo

Era eu, vivo, vivendo quando havia vento, morrendo por entre moscas, comida, plásticos, papéis
Meu corpo em meio ao lixo, o contraste de uma vida, de sangue na veia e paixão consumida
Minha fronte, em meio a extensões de nós que são imortais, nós planeta, nosso suicídio sem paz
Eu parei, eu guardei, eu não pude chorar, não pude simplesmente consertar, não era o mesmo ao voltar

Voltei um tanto mais velho, um tanto mais sério, mas um tanto a mais a sonhar
Era e não era o meu mundo, era e não era o meu lugar...
Confusa compreensão de que ali eu estava e também que tentava ignorar
Que era minha aquela terra morta, aquela morte, aquele lugar sem nome, sem sorte

Não há descrição, há chance viva de buscar entender a isso
Não posso ir e voltar e não estar agora sem dormir, sem naquele lado humano pensar
Agora compreendo metade da minha vida, outra metade deixo passar
Agora sou um homem, filho e pai, com lágrimas nos olhos e bruta coragem, que vem lutar

Desculpe aos que fiquei de visitar, mais tarde tentarei voltar
Desculpas aos que encontrarei pela frente e não terei pureza de criança para abraçar
Desculpe mãe, minhas amigas queridas, minha amada, minhas deusas, divas do meu lar
Mas to mexido, coração meu magoado, sentimento perdido, to de frente para o mundo, e o vejo totalmente destruído

Ando pelo mundo com as mãos vazias, sem armas, sou guerreiro de palavras
Estrangeiro na própria casa, filho de uma geração de uma tal farsa, de consumos de produtos em massa
Irreconhecível e frágil, menino sentimental, destemido, entendeu-se num mundo irreal
Que persegue revoluções silenciosas, dito da geração y, que nem mesmo se sabe, despretenciosa

Tendências não conseguem me atingir, como conseguiu aquela sensação aquele dia
Carrego segredos abaixo da própria pele, carrego incompreendimento, e uma dor que arde como febre
O futuro é quase que todo o mais óbvío possível
Meu quarto escuro, guarda meu canto, do qual agora fujo

To tentando achar um espaço, to vendo se me livro do peso do cansaço
Pra mim é dificíl correr tanto e terminar sem abraço
Sou entre tantos outros mais um mortal
Que nasceu livre (eu acho) com corpo e alma com gosto de carnaval



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